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E os autocarros para Lisboa?

O poder é, demasiadas vezes, sentido como um privilégio, quando, na verdade, é, apenas, uma responsabilidade. Ter poder implica que cada comportamento ou cada decisão tenham um reflexo sobre os inferiores hierárquicos. São tantos os exemplos:  ser pai, ser juiz, ser … Continuar a ler

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Maria de Lurdes Lightyear – Para o infinito e mais além!

Ao ler esta notícia , lembrei-me de algumas coisinhas:

 

1-     se bem me lembro, a criação de quotas no sistema de avaliação dos professores tinha como pressuposto garantir a seriedade desse mesmo sistema, uma vez que nem todos os professores poderiam alcançar a classificação de Muito Bom, por exemplo. Concorde-se ou não, a verdade é isso impedirá a larga maioria de atingir o topo da carreira.

2-     Afirmar que o objectivo será alcançar os 100% de aprovações no nono ano é o mesmo que afirmar que não haverá quotas que impeçam os alunos de terminar o nono ano? Se não houver quotas que impeçam todos os alunos de terminar o nono ano, isso não fará com que a avaliação do trabalho dos alunos perca seriedade?

3-     se “os nossos professores não são menos preparados” não quererá isso dizer que, na maioria, são bons ou muito bons, o que quer dizer, por sua vez, que as quotas, afinal, criam uma grande injustiça?

4-     se é possível ter a esperança de que todos os alunos sejam aprovados no nono ano, não será possível acreditar que todos os professores poderão vir a merecer a classificação de Muito Bom? Assim, se os alunos podem todos atingir o topo da escolaridade obrigatória, os professores poderiam alcançar todos o topo da carreira.

 

 Não somos todos iguais. Por várias razões, estruturais ou conjunturais, não merecemos todos a nota máxima. No entanto, porque não somos todos iguais, a avaliação deve ser individualizada, por muitos parâmetros o mais objectivos possível que contemple.               

Nenhum professor aceitaria que fossem criadas quotas para a avaliação dos seus alunos. Em cada momento, deve existir a utopia de que é possível dar a nota máxima a todos e a possibilidade de atribuir a todos a nota mínima.                                                    

De qualquer modo, avaliar é uma das actividades dos professores e deverá ser sempre um meio e não um fim, sob risco de perverter aquilo que é a função principal: ensinar. Quando a avaliação ocupa o centro dos discursos, o essencial está a ser acessório.

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Diplomas para todos desde 1143 ou 1179, é conforme.

            A garantia de que haverá 100% de aprovações no nono ano dentro de alguns anos deixou-me revoltado. É pouco, é insuficiente, é pequeno-burguês no mau sentido. É preciso ir mais longe: há que diplomar, no mínimo, todos os cidadãos portugueses desde o princípio da nossa História. Não defendo, está bem de ver, a inclusão de Viriato: tivesse chegado mais tarde, pelo menos meia-hora depois de Zamora ou cinco minutos após a Manifestis Probatum. Parecendo que não, temos de ser criteriosos.             
         Proponho, desde já, que haja uma cerimónia pública e simbólica que consistirá na abertura do túmulo de D. Afonso Henriques, para que Maria de Lurdes Rodrigues possa depositar um diploma de nono ano junto aos restos mortais do nosso primeiro rei. Um rapaz que se mostrou suficientemente autónomo para se armar cavaleiro, prender a própria mãe e mandar outro fazer promessas que nunca pensou cumprir reúne, com toda a certeza, um leque de competências suficientemente diversificadas para, mesmo sendo analfabeto, merecer o nono ano. O facto de ter conseguido alargar um país sem nunca ter ido à escola, só mostra como esta é desnecessária, a não ser que seja a da vida, isto é, a das competências. Para além disso, se é possível, hoje em dia, um aluno realizar uma prova que compense a sua pouca ou nula assiduidade, há que usar de bom senso: uma vez que não se pode provar que o nosso fundador não tenha vontade de vir realizar as provas, a dúvida razoável permite-nos acreditar que é apenas a sua involuntária condição de cadáver que o impede de tentar resolver no próprio enunciado as questões que lhe seriam colocadas.
         A partir daqui, deveriam ser contemplados com diplomas todos os cidadãos do nosso passado, incluindo o soldado anónimo. Mesmo aqueles que, comprovadamente, tivessem alcançado graus superiores, não deveriam, por isso, ser excluídos: é que mais um diploma faz sempre falta, mesmo que seja só de nono ano. Proponho que a iconografia passe a representar Camões com
Os Lusíadas numa mão e o diploma de nono ano na boca. Que espectáculo não será ver todos os mortos portugueses levantarem-se no Dia do Juízo, erguendo-se dos túmulos e estendendo para os Céus o diploma que a vida não lhes permitira alcançar!
         Mas não devemos ficar por aqui. É preciso olhar para o futuro. E onde está o futuro? Há que dizê-lo, olhando para dentro de cada um de nós: o futuro está nos óvulos e nos espermatozóides que habitam o interior das portuguesas e dos portugueses, sendo que os espermatozóides, como sabem, tanto podem estar numas como noutros, ainda que em horários diferentes. E que são esses óvulos e esses espermatozóides senão os portugueses por vir? É diplomá-los, antes que nasçam ou que não nasçam. Assim, cada um de nós poderá transportar milhões de diplomados, mesmo que os óvulos estejam em minoria e sejam um exclusivo intolerável das portuguesas. Seremos a inveja do mundo civilizado, com mais diplomados que habitantes recenseados. A vida do óvulo não fecundado ou do espermatozóide é breve? E então? Se agora andam para aí a diplomar mortos…

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Opinião de um jornalista acerca dos professores

Na verdade, não me apetecia comentar este texto, mas foi mais forte do que eu. Sou muito fraco. Leiam o que escreveu este senhor. O meu comentário vem logo a seguir.

A “besta negra”

Ponto e vírgula, Rafael Barbosa Chefe de Redacção adjunto

Mas, afinal, por que protestam os professores? Fazendo um apanhado de algumas das generalidades que lhes ouvimos dizer em sucessivas manifestações, uma das razões é o facto de muitos deles terem votado PS nas últimas eleições e de estarem agora “arrependidíssimos até à raiz dos cabelos”. Outra explicação é a de que, pelos vistos, a ministra está a “exterminar a classe dos professores”. E outra ainda de que “as salas de professores se transformaram em lugares de desencanto”. Do mal o menos, agarrando a frase como quem agarra uma tábua de salvação, foi a sala de professores, e não a sala de aulas, que se transformou em lugar de desencanto.

Não tenho nenhum interesse particular em defender a ministra da Educação. Considero, aliás, que muitas das boas medidas que fez aplicar nas escolas estão a ser aplicadas de forma deficiente [e muitas vezes graças à “greve de zelo” dos professores], o que pode transformá-las em medidas más. Mas vamos lá a ver a ninguém parece estranho que, de repente, milhares de pessoas decidam eleger Maria de Lurdes Rodrigues como a “besta negra” que há-de encher o país de analfabetos?

Rebobinemos este filme. Por que protestam os professores? Porque uma ministra decidiu que era tempo de impor a Escola a Tempo Inteiro, acabando com as tardes ou as manhãs livres? Porque uma ministra decidiu que era tempo de impor as aulas de substituição, combatendo o vergonhoso absentismo que se vivia nas nossas escolas? Porque uma ministra decidiu que era tempo de avaliar a prestação dos professores em vez de deixar prolongar a irresponsabilidade?

Tenho o máximo respeito pela profissão de professor. Mas só tenho o máximo respeito por uma parcela pequena dos nossos professores. Infelizmente, muitos deles não são mais do que verbo de encher. O desânimo e a incompetência que se vive nas escolas não são responsabilidade desta ministra. A “besta negra” dos professores é, provavelmente, os próprios professores.

                                                                      in “Jornal de Notícias”, 28-02-08

               

Quando leio um texto como este, apetece-me vaguear entre a hermenêutica mais básica, a ética jornalística e a condição de professor. Vamos lá, então.

                Comecemos por notar que o autor do texto assume a sua condição de jornalista (partindo do princípio de que só se pode ser Chefe de Redacção – mesmo que adjunto – de um jornal, se se for jornalista). É certo que nada disso o impede de dar a sua opinião acerca de qualquer assunto, ainda para mais num texto com honras de editorial.

                Humanos que somos, jornalistas ou não, podemos todos formar opiniões com mais ou menos ligeireza. É, aliás, um dos encantos da democracia e, até, da humanidade. No entanto, pergunto-me: se alguém apregoa a sua condição de jornalista, não deverá, a bem da dignidade profissional, ter um cuidado especial na emissão das suas opiniões, ainda mais quando alcançou a possibilidade de escrever um editorial, podendo, desse modo, influenciar a opinião de leitores? Não é um dever do jornalista investigar um assunto até ter a maior certeza possível? Será digno da sua profissão aquele jornalista que deixa escapar opiniões com base em boatos vagos ou em amostras inconsistentes? Será respeitável um jornalista cujo discurso, ainda que meramente opinativo, se arrisque a ficar ao nível da conversa de café em que se discutem questões com base em argumentos do género eu-até-ouvi-dizer-a-um-primo-meu-que ou o-Camacho-devia-era-meter-o-Makukula?

                Tendo em conta todos estes prudentes considerandos, estará Rafael Barbosa a dignificar a sua profissão? Lá chegaremos, atalhando pela hermenêutica, com passagem pela condição de professor.

                O autor abre com uma interrogação à qual responde prontamente, com base em “apanhados de algumas generalidades que lhes ouvimos dizer em sucessivas manifestações”. Podemos concluir que não escora a resposta numa investigação aturada? Poderei estar a ser injusto, mas isto dos “apanhados” de “generalidades” não será pouco consistente?

                Por que protestam, então, os professores, de acordo com os “apanhados” colhidos pelo jornalista? São três os protestos: uns estão arrependidos por terem votado no PS; outros queixam-se de que estão a ser exterminados; outros ainda apontam as salas de professores como locais esmagados pelo desencanto. Não nego que os professores tenham afirmado tudo isso, mas bastaria ouvir os manifestantes, para descobrir como razões de protesto, por exemplo, as aulas de substituição ou o sistema de avaliação. Talvez por ter visto as manifestações de longe, Rafael Barbosa tenha confundido desabafos com palavras de ordem.

                A terminar o primeiro parágrafo, o opinante mostra-se aliviado por saber que o desencanto se fica pela sala dos professores. Dir-se-ia que o senhor jornalista não é homem versado na vida dos sentimentos. Nunca reparou no sorriso idiota que qualquer apaixonado leva para todo o lado? Não notou, numa das suas deambulações, a tristeza evidente dos problemas que tanta gente carrega pelas ruas? O problema do desencanto, pela sua condição de sentimento, é que não é um objecto que se possa deixar guardado num compartimento e tem a maçadora tendência de acompanhar a sua vítima para todo o lado. Um bom professor tentará deixá-lo em qualquer caixote do lixo, mas o malvado do desencanto arranjará maneiras de se insinuar nas salas de aula. Talvez Rafael Barbosa tenha apenas querido ser engraçado. Talvez não tenha pensado que um professor desencantado resultará inevitavelmente no prejuízo do aluno. Talvez não tenha pensado.

                O segundo parágrafo começa com uma garantia de que não há conflito de interesses. Ficamos mais descansados. Logo a seguir, ficamos a saber que há “muitas” e “boas” “medidas”. Não custava nada enumerar duas ou três, mas talvez o autor tenha decidido deixar isso para o parágrafo seguinte. O que se fica a saber é que as medidas, apesar se serem muitas e boas, acabam por ser más, porque “estão a ser aplicadas de forma deficiente [e muitas vezes graças à “greve de zelo” dos professores].” Se é certo que o autor não avança pormenores quanto à “forma deficiente”, tem, pelo menos, a coragem de apontar alguns dos responsáveis: os professores, usando o estratagema da “greve de zelo” (as aspas poderão significar que se trata de uma força de expressão ou de uma citação?). Fica, assim, o assunto resolvido: as medidas são boas, maus são os professores. Como sabe o senhor jornalista de tudo isto? Quantos agentes beneficiados pelas medidas ministeriais entrevistou? Quantas páginas de legislação leu antes de concluir tão decidido? Silêncio.

                O parágrafo termina em beleza. Apetece-me citar longamente, respeitando o erro de pontuação: “Mas vamos lá a ver [omissão de dois pontos] a ninguém parece estranho que, de repente, milhares de pessoas decidam eleger Maria de Lurdes Rodrigues como a “besta negra” que há-de encher o país de analfabetos?” Não imagina o senhor Rafael Barbosa a vontade que tenho de fazer a mesmíssima pergunta. Na realidade, se post hoc, ergo propter hoc, não será possível identificar Maria de Lurdes Rodrigues com hoc? É, pelo menos, uma possibilidade: antes desta Ministra, a paz podia ser podre, mas não deixava de ser paz.

                No terceiro parágrafo, volta a mesma interrogação que já tinha surgido no início do texto: “Por que protestam os professores?” Se as interrogações que se seguem não fossem evidentemente retóricas, poderia responder a cada uma. A resposta era fácil: não. Os professores não protestam contra nenhuma dessas razões.

                Uma vez que é da natureza da interrogação retórica ser uma afirmação disfarçada de pergunta, o autor, afinal, pretende desvendar as razões que verdadeiramente presidem aos protestos da classe docente. Não sabemos qual o processo adoptado pelo jornalista para descobrir as verdadeiras intenções dos professores. Na realidade, não me parece ter ouvido ninguém a gritar: “Abaixo a Escola a Tempo Inteiro, vivam as tardes e as manhãs livres!” ou “Estamos em luta a favor do vergonhoso absentismo!” ou “Queremos o prolongamento da irresponsabilidade! Professores contra a avaliação séria!” Como terá, então, o perspicaz articulista descoberto aquilo que os professores tentam, com manifesta inabilidade, esconder?

                Esta série de críticas leva-me, ainda, a fazer algumas perguntas: o que entende por tardes ou manhãs livres? Será que correspondem ao tempo em que, estando fora da escola, os professores ficavam em casa a, por exemplo, preparar aulas? De que dados absolutos e relativos dispõe para provar que, no universo dos trabalhadores portugueses, é possível considerar vergonhoso o absentismo dos professores? Já leu e analisou atentamente a proposta de sistema de avaliação do Ministério da Educação?

                Acerca do último parágrafo, só consigo deixar escapar vulgaridades como “corolário lógico” e “a cereja em cima do bolo”, tão coerente se mostra a corajosa confissão do bravo autor: com a iluminação dos espíritos revoltados, afirma que muitos dos professores são apenas “verbo de encher”. Não é qualquer pessoa que consegue, de uma penada, qualificar um universo de cerca de cento e cinquenta mil pessoas, número que corresponderá, mais ou menos, à quantidade de professores que infestam o país de Norte a Sul. A origem para uma afirmação tão definitiva só pode estar numa investigação seriíssima ou numa leviandade irreparável. Se for o primeiro caso, não há necessidade de aplicar nenhum sistema de avaliação; basta pedir a Rafael Barbosa as informações de que dispõe e poupa-se tempo e dinheiro.

                Mesmo correndo o risco de parecer vingativo, não posso deixar de pensar que um texto destes diz muito da fraca qualidade de um jornalismo que não procura o rigor, não respeita a língua e não está minimamente preocupado em ser pedagógico. Espero que, um dia, haja um verdadeiro sistema de avaliação dos professores. Quando esse dia chegar, espero levar, no mínimo, um bom puxão de orelhas, se der uma aula com a mesma ligeireza com que o senhor Rafael Barbosa escreveu esta peça.

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