Magalhães ou os Amanhãs já cá cantam

             Confesso que tenho uma arreliadora tendência para não pensar mal das pessoas, sou assim uma espécie de Padre Américo com a vantagem de não estar obrigado à castidade. Raramente alinho nas teorias da conspiração que levam as pessoas a dizer mal dos árbitros ou a descobrir o verdadeiro e malévolo sentido presente em cada frase dos políticos.

            Nos últimos tempos, tenho ouvido dizer que alguns órgãos de comunicação social estarão ao serviço do governo e lá dou por mim a pensar: “Se calhar, não é bem assim, deve ser má-língua.”

            No entanto, há dias em que uma pessoa é quase obrigada à maledicência. É Setembro e chove. Saio de casa para tomar um café. Encostado ao balcão, olho para a primeira página do “Jornal de Notícias”. A manchete é “4000 Magalhães nas escolas terça-feira” (podem ler aqui.)

            Não vou aqui revelar em pormenor as minhas sinceras dúvidas acerca da utilidade desta espécie de computador que, em poucos anos, contribuirá para aumentar o monte de lixo informático já existente, quando as criancinhas rapidamente descobrirem as limitações daquela linda ferramenta que irá, pelo menos, enfeitar as estatísticas de uma país que continuará por educar, mas que estará na linha da frente da informatização doméstica.

            Aquilo que me interessa realçar é, em primeiro lugar, o facto atípico de estarmos na presença de uma manchete que se refere ao futuro. Na esmagadora maioria dos casos, não é assim. Mas não há que ter medo de inovar. Ficamos, então, à espera de grandes parangonas sobre a reeleição de Cavaco Silva ou sobre a primeira decisão tomada por Barack Obama na Sala Oval.

            Aqui só para nós, esta manchete não tem mais cara de anúncio do que de notícia? É claro que falta, ainda, analisar o tratamento jornalístico dado a um título destes.

            É engraçado que a notícia parece mesmo uma notícia. A pérola a reter está escondida – condição das pérolas – nestes dois excertos: “O JN apurou “que as primeiras entregas de portáteis Magalhães, no âmbito do programa “e.escolinha”, vão ter lugar em várias cerimónias simultâneas em diferentes concelhos do país.” e “Albufeira, Amadora, Castelo Branco, Faro, Lisboa, Lourinhã, Mafra, Mortágua, Paredes, Ponte da Barca, Portel, Portimão, Resende e Santo Tirso são, segundo o JN apurou, os outros concelhos que vão receber portáteis amanhã, numa iniciativa em que participam quer José Sócrates, quer a ministra da Educação.” Repare-se: o “JN apurou”. Esta frase revela o jornalista incansável que, contra ventos e marés, descobre a informação que o governo, talvez pecando por excesso de modéstia, terá querido sonegar.

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Uma resposta a Magalhães ou os Amanhãs já cá cantam

  1. Rui diz:

    A primeira coisa que tenho a dizer é que isto de escreveres de quando em quando tem de acabar. a partir de hoje passas a escrever de onde em onde, ou de como em como, ou de quem em quem e o quê em o quê. Venho aqui quase todos os dias à procura de “Oquês, comos, quandos, quems e só assim muito raramente é que vejo aqui coisas novas. Não pode ser. temos de ser uns para os outros não é lá isso de escrever “Ah, e tal hoje péssquenum ma petece…” que é lá isso? O menino não tem tempo é? Julga que anda a preparar um doutoramento ou quê? Bem. Estamos ditos. ã? o quê? Ah, pensei… Então é assim: o Magalh… ã? Ã? Ah! prontos. Dizia eu: o Magalhães é uma coisa importante, que é. Mas nesse dia a RTP fez uma coisa que nunca tinha visto fazer. Foi buscar dois pequenitos e esteve a entrevistá-los depois de lhes ter dado o Magalhães para que eles o explorassem até à hora do almoço que era quando dava o Jornal da Tarde. Resultado: o homem bem puxava por eles mas eles estiveram a manhã toda a fazer coisa nenhuma e isso a juntar aos nervos deu numa inépcia completamente idiota. Mas a verdade é que a RTP fez os possíveis para dar uma boleia ao Magalhães. Já por seu turno, a SIC parece que tem alguma coisa contra o computador. Passou o jornal da tarde todo a dizer que aquilo é tudo menos uma originalidade portuguesa. Foi à procura de tudo o que é Magalhães no mundo e mostrou tudo tudo: Nigéria, Filipinas, Brasil e por aí fora, arrumou com a “originalidade portuguesa” de uma penada. Mesmo o facto de se tratar de um programa que pretende desenvolver 500 mil computadores e dá-los aos putos foi por eles encarado como algo normal. Tivemos de tudo nesse dia. Disparate de um lado e disparate do outro. Por mim estou contente com aquilo. sobretudo porque há casas que nunca teriam um computador em casa. Sabendo o que o português faz para ter coisas à borla, é fácil prever o entusiasmo que por aí virá. O governo também está contente porque é esta a única forma de dentro de alguns meses falar de uma coisa que com isto deixa de estar morta e invisível aos olhos dos eleitores: o Plano Tecnológico.

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