Acordo Ortográfico: Cavaco Silva tem uma espécie de opinião

Na Feira do Livro de Díli, Cavaco Silva, em resposta a uma pergunta sobre a sua relação com Acordo Ortográfico, terá respondido o seguinte:

“Todos os meus discursos saem com o acordo ortográfico mas eu, quando estou a escrever em casa, tenho alguma dificuldade e mantenho aquilo que aprendi na escola. Mas isso é algo privado em casa, coisa diferente é a divulgação oficial de todos os documentos da Presidência”, sublinhou, salientando que não só concorda com este Acordo como participou activamente na ratificação.

Pergunto-me, em primeiro lugar, o que será isso dos discursos que saem? É como se, em Belém, houvesse, ao lado dos pastéis, uma fábrica de discursos, aromatizados, não com canela, mas com a nova ortografia. Fico, de qualquer modo, ansioso, por ouvir como soam os discursos que, agora, saem com o acordo.

Cavaco, desvelando publicamente a intimidade, confessa, no entanto, sentir dificuldades em aplicar o Acordo, quando escreve na quietação do lar, preferindo manter o que aprendeu na escola, o que mostra – das duas uma – que o Presidente é preguiçoso ou tem dificuldades de compreensão.

Nesta mesma declaração, Cavaco revela, ainda, concordar com o Acordo que, pessoalmente, não aplica. Para além disso, relembra, ainda, a sua participação activa na sua ratificação. Nas declarações que se seguem, explica em que consistiu a sua participação activa:

“Quando fui ao Brasil em 2008, face à pressão que então se fazia sentir no Brasil, o Governo português disse-me que podia e devia anunciar a ratificação do acordo, o que fiz”, lembrou.

Não sei se é possível ser-se mais activo: no Brasil havia uma pressão que “se fazia sentir” e Cavaco, obedientemente, fez o que o José Sócrates lhe mandou. Por aqui, se percebe os segundos de reflexão que Cavaco dedicou às questões ortográficas e confirma-se que se vivia, então, uma lealdade institucional inabalável.

Exercendo, ainda e sempre, o seu direito à vacuidade, Cavaco afiança, numa ilusão épica, que Timor participará na “tarefa, difícil mas grandiosa, que é a afirmação internacional do espaço da língua portuguesa”, uma coisa entre o redundante e o perifrástico e, sobretudo, inútil, uma vez que seria muito mais importante que se perdesse tempo a pensar na afirmação nacional da língua portuguesa, ameaçada pela anarquia curricular e pelo disparate ortográfico.

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7 respostas a Acordo Ortográfico: Cavaco Silva tem uma espécie de opinião

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  3. “Por aqui, se percebe os segundos de reflexão que Cavaco dedicou às questões ortográficas.” Interessante notar que até portugueses conservadores em aspectos linguísticos já usam o “se” indeterminador de sujeito com verbos transitivos diretos (sem a concordância (se percebem) que muitos diriam ser obrigatória, por negarem a existência do “se” indeterminador nesse tipo de construção).

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  7. Bravo! Quem me dera escrever assim. Quem nos dera um presidente que pensasse assim.

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