Fascinante marialvismo

A imagem do político que não se desvia do caminho traçado é um dos fascínios indígenas, sendo cultivada por assessores, cronistas e alguns imitadores de jornalistas. O dito político é, então, elogiado por “enfrentar lobbies e corporações”, sendo que esse elogio se baseia mais em dados vagos ou emotivos, epicamente narrados, do que na análise efectiva de medidas e declarações. Trata-se de um filho do marketing, a quem bastam algumas frases que aparentem coragem e determinação para que a opinião publicada o incense e a opinião pública se babe e vote em conformidade. Como somos um país rico em pobreza, temos uma vasta oferta de exemplares desse género a ocupar os mais altos cargos.

Não sei se isto corresponderá a uma saudade pouco envergonhada de um novo  Salazar, mas é, no mínimo, uma manifestação de afecto por uma espécie de marialvismo, termo exclusivamente português que serve para designar a admiração por gajos danados para a porrada, característica absolutamente virtuosa, ao contrário dessa mariquice abjecta praticada pelas pessoas que gostam de conversar e, até, de pensar.

O uso de saias não impede a prática do marialvismo, o que inclui, portanto, os Pauliteiros de Miranda e Maria de Lurdes Rodrigues. O facto de a senhora ter tomado a esmagadora maioria das suas decisões contra a opinião dos professores foi o suficiente para merecer elogios imensos, tornando a reflexão e a análise desnecessárias, como é habitual no mundo dos editoriais vendidos e da crónica distraída.

João Marcelino, director do Diário de Notícias, adora os marialvas da política e não tem medo de o confessar. No brasido de Agosto, elogiou a decisão de encerrar 701 escolas, tendo começado por assumir, “sincera e humildemente”, que não sabia se o Ministério da Educação estaria a fazer tudo bem nesse processo, podendo depreender-se que também não sabia se não estaria a fazer nada bem. Termina o editorial, afirmando, com profundidade, que as reformas trazem sempre protestos (que, portanto, devem suscitar desprezo e nunca debate), congratulando-se com o “regresso da coragem, que parecia perdida, às opções do Ministério da Educação…”. Aí temos, então, um Marcelino exultante por ter descoberto uma Isabel alçada a marialva.

Abençoado o país que é governado por gente tão corajosa e informado por um jornalismo tão exigente!

Esta entrada foi publicada em Educação com as etiquetas , , , , , , , , , , . ligação permanente.

11 respostas a Fascinante marialvismo

  1. Pingback: A lata de Maria de Lurdes Rodrigues – Aventar

  2. Pingback: Os professores também se abatem! – Aventar

  3. Pingback: Tiago Brandão e a testosterona – Aventar

  4. Pingback: Educação, municipalização, privatização, corrupção – Aventar

  5. Pingback: Concurso de professores: ai que horror, o centralismo! – Aventar

  6. Pingback: Nuno Crato, o marialva bissexto – Aventar

  7. Pingback: A tasca do editorial | os dias do pisco

  8. Pingback: PS e Educação: seis anos de ruína | Aventar

  9. Pingback: O que é uma boa escola? – a iluminação de Manuel Queiroz | Aventar

  10. Rui diz:

    Prosa indesmentível. Brilhante.

  11. João Sá diz:

    Quanto ao DN, já sabemos o que a casa gasta. Alguém tem de ir fazendo os fretes.

Deixe um comentário